Um estudo de 2021, realizado por pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (Sbed) e diversas universidades e faculdades brasileiras, constatou que a prevalência da dor crônica no Brasil é de 45.59%. Outro levantamento realizado pela mesma sociedade em 2017 mostrou uma prevalência de 39%.
Para chegar a este resultado, os cientistas responsáveis pelo estudo partiram de uma premissa de que a dor crônica afeta entre 30% e 50% da população mundial. Ou seja, pelo menos 3 em cada 10 pessoas sofrem com a doença. “Sem dúvida a pandemia da covid-19 foi uma das responsáveis por este aumento das dores crônicas”, afirma a médica intervencionista em dor, Dra. Amelie Falconi.
Para ela, a dor crônica é a pandemia do século. “Pense em quantas pessoas você conhece com dores crônicas ou como produtos diversos, que prometem alívio das dores, são ofertados em todos os lugares”, diz. De acordo com ela, fora a morte, não existe nada mais democrático que a dor. “Ela não diferencia gênero, classe social, religião ou faixa etária”, afirma.
Doença de alto custo
De acordo com a médica intervencionista em dor, devido à sua ampla prevalência, ônus econômico e social, associação com questões de acesso e justiça social, a dor crônica é considerada cada vez mais um problema de saúde pública. Do ponto de vista financeiro, os impactos na saúde pública são gigantescos, ressalta Amelie. “Para se ter uma ideia, os Estados Unidos despendem US$ 600 milhões em custos diretos e indiretos de dor crônica anualmente”, destaca.
Além disso, os indivíduos que sofrem de dor crônica percebem claramente como a doença é custosa financeiramente. “Além de aumentar o gasto mensal, com planos de saúde, consultas, reabilitação, remédios e psicólogo, a dor crônica atrapalha que seu portador ganhe dinheiro, porque o impede de trabalhar muitas vezes”, explica a Dra. Amelie.
Outro aspecto importante da vida humana que a dor crônica gasta e que não pode ser recuperada como o dinheiro é o tempo. “O paciente perde vários momentos de lazer por estar em tratamento e quando está de ‘folga’ de médicos e outros profissionais de saúde, está com dor ou cansaço demais”, comenta.
Estigma sobre a dor crônica
Não bastasse o cansaço e o sofrimento físico, portadores de dor crônica também precisam lidar com a descrença de familiares, amigos, colegas de trabalho e até de profissionais. Conforme Amelie, como a dor é algo um subjetivo e não aparece em exames, é comum que muitos não saibam lidar com pacientes nesta condição.
“Além de não saber o que é dor, nós profissionais também saímos da faculdade com deficiências severas como falta de empatia e compaixão com os portadores dessa doença”, declara.
A falta de conhecimento médico sobre o assunto faz com que milhares de pacientes com dor crônica saiam dos consultórios sem um controle adequado da dor. Já a falta de compreensão, acolhimento e empatia por parte das pessoas próximas faz com que o fardo da dor se torne ainda mais difícil de suportar. De fato, para a médica, o contexto de ignorância e descrença compromete toda a abordagem da dor e faz com que pacientes não se tratem de maneira adequada.
“Diferente de um paciente com doença cardíaca, que tem medo de passar por uma cirurgia, um portador de dor crônica deseja a intervenção cirúrgica como primeira opção de tratamento”, comenta a médica intervencionista em dor. Isso porque, segundo ela, não se leva tão a sério uma doença invisível quanto uma doença que se vê.
“Em um mundo ideal, porém, cuidaremos da dor da mesma maneira que cuidamos de um coração: seguindo etapas e corrigindo fatores de riscos, que são responsáveis por desencadear e alimentar a dor crônica”, diz a profissional.
O caminho do tratamento
Os passos que precisam ser respeitados no tratamento da dor crônica são os seguintes. Inicialmente, o paciente deve ser submetido a um tratamento conservador ativo, ou seja, uma fisioterapia bem-feita, de preferência uma fisioterapia particular (não genérica). Apenas se este caminho não funcionar, deve-se ir para o plano B: a cirurgia. Por sua vez, conforme Amelie, corrigir fatores de risco significa interferir no estilo de vida da pessoa, estimulando-a a praticar atividade física, dormir bem, comer adequadamente e cuidar da saúde mental.
O uso da medicação
No tratamento da dor crônica não se pode esquecer do uso de medicamentos. Isso porque eles são importantes para devolver uma certa autonomia ao portador da doença, para que ele dê prosseguimento à fisioterapia, por exemplo. Contudo, controlar a dor com farmacológicos não significa usá-los de forma indiscriminada, mas sim com orientação médica, alerta a médica.
“O uso de remédios sem orientação pode atrapalhar o funcionamento dos outros remédios que você utiliza e, consequentemente, o tratamento de outra doença. Pior: automedicar-se pode causar a cronificação da dor”, comenta.
A Dra. Amelie explica que a dor é multifatorial, com interações complexas entre muitos fatores biológicos, psicológicos e sociais. Em outras palavras, a dor influencia em tudo e tudo influencia na dor.
Conforme a especialista, quando o paciente usa e abusa de remédios ele trata apenas os sintomas dessa dor, que, por terem causas variadas, não são resolvidas com a utilização de remédios. “Chamo isso de ‘enxugar gelo’ na dor crônica. O paciente não modificou o que está causando a dor, então, a consequência é ela intensificar e torná-la permanente”, diz.
Se tudo influencia na dor crônica, a médica volta a ressaltar a importância de empregar medidas além das farmacológicas para ajudar no controle da dor, mas também para melhorar a qualidade de vida e a funcionalidade e reduzir os sintomas associados.
Por fim, conforme a profissional, para obter bons resultados no tratamento da dor crônica, não basta olhar apenas para a doença. “Cada dor se manifesta de uma maneira totalmente diferente e individual. O mesmo tratamento apresenta resultados diferentes em pessoas diferentes. Isso mostra porque precisamos olhar para a pessoa, além da dor”, conclui.