A influenciadora Karen Bachini revelou através de um vídeo publicado no YouTube que é intersexo. Aos 32 anos, ela contou que passou por inúmeros exames e avaliações médicas até descobrir o que estava acontecendo com seu corpo. Segundo o relato, a maquiadora se entendeu como uma pessoa pseudo-hermafrodita feminina, quando se tem os genitais e órgãos internos do sexo feminino, mas não produz hormônios.
Karen conta que buscou ajuda de especialistas quando tinha 18 anos. Na época, ela não tinha as glândulas mamárias, e seu ovário era muito pequeno. Os médicos disseram que se tratava de uma menopausa precoce.
“Naquela época foi me dito que eu tinha menstruado em alguma parte da minha vida e entrei na menopausa. Mas eu sempre achei isso muito estranho porque, se eu tivesse menstruado, eu saberia”, afirmou ela.
Então, a maquiadora passou por uma harmonização feminina, tratamento feito com pílula anticoncepcional. Neste momento, ela ainda não sabia que era intersexo. Karen não produzia qualquer tipo de hormônio e passou pela puberdade depois do processo de harmonização. Mas, ao interromper o tratamento com as pílulas, ela percebeu que seu corpo passou a diminuir as mamas novamente.
“Quando eu voltei com os hormônios femininos, eu voltei com as características femininas. Mas eu ter as características femininas depende somente de eu tomar os hormônios femininos. Se eu paro de tomar, eu perco essas características”, afirmou em outro trecho do relato.
O que é intersexo?
Intersexo é um termo abrangente usado para categorizar várias diferenças anatômicas reprodutivas e sexuais que não se encaixam nas definições usuais de masculino ou feminino, explica a Dra. Flávia do Vale, ginecologista e Coordenadora do Serviço de Obstetrícia do Hospital Icaraí.
Em resumo, os indivíduos intersexuais podem ter cromossomos, órgãos genitais ou órgãos reprodutivos internos que não se enquadram na categoria masculina ou feminina típica. Ou ainda podem possuir características de ambos os sexos, masculino e feminino.
”Intersexo, por definição, é quando alguém geralmente parece ser de um sexo, mas tem a anatomia dominante do outro sexo ou quando alguém nasce entre os sexos masculino e feminino típicos. Um exemplo disso seria uma pessoa de apresentação feminina com anatomia predominantemente masculina”, aponta a médica.
Outro exemplo de alguém nascido intersexual, segundo Flávia, é alguém que nasceu com uma apresentação intermediária dos órgãos genitais masculinos e femininos. É o caso, por exemplo, de alguém que nasceu com um clitóris maior do que o normal e sem abertura vaginal, ou alguém que nasceu com um escroto dividido em uma forma semelhante a lábios. “Uma pessoa também pode nascer com genética em mosaico ou células com cromossomos XX e XY”, completa. O termo mais antigo para esta condição é hermafroditismo.
De acordo com a Dra. Priscila Pyrrho, o termo intersexo também já está mudando, pois dá a entender que é uma pessoa que tem os dois sexos, ou que teria um sexo intermediário. “Hoje já está sendo proposto uma outra denominação que se chama Anomalia de Diferenciação Sexual (ADS). Esse termo intersexo em breve vai virar ADS. E é justamente isso que acontece: a diferenciação do sexo acaba sofrendo uma alteração no seu processo e aquele sexo genético acaba não se manifestando no corpo“, explica.
Diferença do Desenvolvimento do Sexo (DDS)
O médico psiquiatra e psicoterapeuta Dr. Saulo Ciasca aponta que existem mais de 40 tipos de DDS (Diferença do Desenvolvimento do Sexo). “Há condições em que o paciente vai apresentar uma genitália com características masculinas e femininas ao mesmo tempo, a ponto de não conseguirmos identificar. A gente chama os de atipia genital, é uma genitália atípica”, explica.
Saulo destaca que não são usados termos como “anomalia”, “defeito” e “erro genético”. “A gente compreende a intersexualidade como mais uma condição da diversidade humana, e não como anomalias ou defeitos”, justifica.
Manifestações no corpo
Priscila esclarece que existem vários tipos de intersexo, dependendo do grau de modificação da genitália externa e da expressão corporal que a pessoa vai ter. Segundo ela, a pessoa com ADS, no geral, é aquela que tem um sexo genético, ou seja, tem um cariótipo que seria XX, quando é mulher, e XY, quando é um homem. Porém o sexo genotípico (o que aparece no corpo) não corresponde ao do cromossomo.
“Então o paciente tem um cromossomo XX ou XY, mas a expressão corporal (gônada), ou a genitália, não é compatível com aquela genética. Às vezes nem o fenótipo (aparência) é compatível”, afirma.
Um exemplo é a pessoa que tem os cromossomos de uma mulher, os ovários de uma mulher, mas órgãos genitais externos parecem masculinos, exemplifica Flávia. A pessoa intersexo também pode ter a genitália ambígua, isto é, quando não é possível identificar a genitália. “Por exemplo: não se sabe se é um clitóris muito grande, ou um pênis muito pequeno; pode haver vagina, mas sem canal vaginal”, diz Priscilla.
Segundo ela, no nascimento é muito comum haver essa confusão. Por isso também é bastante comum as cirurgias “corretivas” — que operam a genitália do bebê.
Correções no nascimento
Saulo destaca que a intersexualidade é mais uma condição da diversidade humana e que, por isso, não deveria ela por si só ser corrigida. No entanto, muitas pessoas ainda optam pelas “correções” cirúrgicas, que podem tirar a função reprodutiva e sexual do paciente.
O psquiatra lembra que existe um movimento no Brasil chamado ABRAE (Associação Brasileira Intersexo) de ativistas, de pais, mães, familiares e pessoas intersexo. Eles lutam pela não realização da cirurgia precoce, pois essas crianças ainda não podem falar sobre si, já que ainda não podem exercer consentimento sobre os seus corpos.
“Fazer uma cirurgia dessas em nome de deixar a genitália considerada esteticamente padronizada como um pênis ou vagina gera muitos problemas e muitas complicações. E aí a gente tem que ficar lidando com esses problemas e complicações pro resto da vida da pessoa. Esses grupos e a medicina vem trabalhando com a perspectiva de que pessoas intersexo existem, pessoas intersexo não são anomalias, transtornos e doenças. São pessoas que podem elas mesmas decidir pelos seus corpos quando elas tiverem capacidade de consentimento para isso”, conclui.